APIB e Rede Cerrado Fazem Agenda na Europa Alertando sobre a Situação no Cerrado

WBO Press Release
2 de abril de 2024

Povos Indígenas, junto com povos e comunidades tradicionais do Brasil fazem a campanha na Europa “Cerrado: Conexão de Povos, Culturas e Biomas”. A campanha viajou entre os dias 10 e 22 de março, entre Amsterdã, Paris e Bruxelas, em reuniões com autoridades nacionais e das Instituições Europeias, com o objetivo de visibilizar o Cerrado como um bioma chave no Brasil. De acordo com a Rede Cerrado, este bioma não é "um grande vazio para a livre expansão agrícola". Somos a segunda maior biodiversidade da América Latina, berço das águas abastecendo 8 das 12 principais bacias hidrográficas no Brasil, abrigando mais de 83 etnias Indígenas, mais de 100 comunidades Quilombolas e a cerca de 24 segmentos de comunidades tradicionais que têm sua subsistência ligada aos seus territórios”. 

A invisibilidade do Cerrado tem repercussões políticas, jurídicas e de governança global. No âmbito da proteção ambiental pela União Europeia, a recém-adotada Regulação da União Europeia sobre o Desmatamento (EUDR), elaborada em um conceito tradicional de florestas, não contempla o Cerrado como um bioma a ser protegido, tampouco contempla a complementaridade entre os diversos biomas para a sua preservação. A EUDR, aplicada a qualquer exportação de commodities ao bloco europeu, prevê um esquema mais rígido de controle da cadeia de valor, incluindo a obrigação de instalar e manter um sistema de rastreamento dos produtos passando por essa cadeia. Às exportações de produtos do Cerrado não será aplicado este sistema mais rígido de controle ambiental. Ao mesmo tempo, agricultores familiares e campesinos do Cerrado sofrem barreiras regulatórias mesmo internamente, e também externas para cumprirem com as regras da EUDR, o que obstaculiza acesso aos mercados brasileiro e europeu. Segundo Samuel Caetano, da Rede Cerrado e presidente do CNPCT, “o Cerrado é visto por pontos de vista e lógicas diferentes. Enquanto nós povos e comunidades tradicionais consideramos o Bioma como um espaço de convivência harmoniosa, trocas, partilhas, interações e sobrevivência. A lógica do capital o compreende na dinâmica do lucro imediato, exploração insustentável”.  O fato da EUDR não contemplar o Cerrado evidencia o baixo alcance da própria regulação. Nesse sentido, é crucial alertar para as dinâmicas entre os biomas e o avanço de práticas não sustentáveis do agronegócio, e ressaltar a necessidade de compreender o Cerrado como um cordão de proteção da Amazônia que, por sua vez, precisa comportar uma abordagem de proteção e conservação mais construtiva. Como principal porta voz da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinamam Tuxá, coordenador executivo da organização, considera “a regulação positiva e um avanço na adoção de sistemas de rastreabilidade na cadeia de produção das commodities, sendo um mecanismo adicional de proteção dos nossos biomas e de nossos direitos territoriais.” Entretanto, ele explica que “caso a regulação não seja aplicada em igual medida à todos os biomas (Cerrado, Caatinga, Pantanal, Pampas e Bioma Costeiro), teremos um efeito contrário ao esperado pela União Europeia, pois a EUDR irá contribuir para uma pressão ainda maior do desmatamento nos biomas não florestais, aumentando também a violência vivenciada nos territórios indígenas que não estão na Amazônia ou na Mata Atlântica”. 

A conclusão do Acordo de Livre Comércio Mercosul-União Européia, tema de pauta da visita de Macron ao Brasil, esta semana, tem sido questionado por não ter cláusulas de proteção ambiental suficientemente fortes, em vista ao aumento do comércio de commodities do Brasil para o bloco europeu. Durante o governo Bolsonaro, vários parlamentos dos países membros da UE impuseram vetos à adoção do acordo. Já durante o governo Lula, o bloco europeu propôs cláusulas ambientais adicionais aos países do Mercosul, o que vem sofrendo resistências dos países deste bloco. Há também uma rejeição em massa por parte dos movimentos sociais, ambientais e Indígenas, devido à estrutura obsoleta do Acordo, baseado em trocas desiguais de commodities de baixo valor agregado, por parte do Mercosul, contra produtos de alto valor agregado, por parte da EU, o que reafirma uma relação colonial entre os blocos. Em contrapartida, há uma aversão por parte de pequenos agricultores europeus, ante ao aumento de produtos agrícolas do Mercosul, forçando uma concorrência desleal. 

Uma perspectiva internacional para esse problema torna-se de extrema relevância quando uma parte busca implementar uma transição à indústria verde, no caso da UE, e a outra patina entre assegurar medidas sustentáveis de desenvolvimento socioeconômico e renovar os processos de industrialização para as necessidades reais do século, no caso do Mercosul. Nesse sentido, o conceito de justiça climática é central, mas também é global. Para além da concorrência desleal sentida por agricultores europeus, é importante analisar quem são os atores que se beneficiam da persistente relação quasi-colonial entre Europa e América Latina. É fundamental reconhecer que os impactos climáticos não são criados nem distribuídos igualmente. 

Grupos que promovem soluções simplistas para problemas complexos falham em reconhecer as mudanças climáticas como uma necessidade fundamental para uma transição genuína em direção a novos modelos econômicos e acordos comercias. A ausência de um reconhecimento claro das disparidades e responsabilidades nas mudanças climáticas abre espaço para reivindicações nacionalistas contra instituições internacionais. Os grupos mais afetados possuem mais similaridades que diferenças, independente de suas localidades, e são os mais afetados por tais falhas.

O cenário geopolítico da UE mudou significativamente em comparação ao primeiro ano do governo Bolsonaro. Os debates aquecendo a campanha eleitoral para o Parlamento Europeu, de junho deste ano, são dominados pela militarização, competitividade e desregulação econômica do bloco, no contexto do avanço da extrema direita na UE e nos países membros. Neste contexto, o acordo com o Mercosul ganha renovada importância para os europeus. O chamado populismo agrícola, com as manifestações de pequenos agricultores em Bruxelas, é mais um elemento nesta fórmula complexa. Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, tentando sua reeleição, deixa o European Green Deal para um segundo plano, focando em defesa e competitividade.

Enquanto o desmatamento na região amazônica brasileira registrou uma diminuição em 22% em julho de 2023, atingindo níveis não obtidos desde 2018, a degradação do Cerrado cresceu 16,5% no mesmo período. Sendo que 31 milhões de hectares do Cerrado ainda podem ser legalmente desmatados, isso representa 56% da área da França. A região se encontra na fronteira agrícola da soja e da indústria de carne. Além de meramente o Cerrado, como bioma, é fundamental para a delegação visibilizar seus povos e comunidades e a relação única dessas populações com o bioma.

É neste contexto que a campanha na Europa sobre o Cerrado se torna relevante. As reuniões nestes países são organizadas pela Fern, APIB e Rede Cerrado. A WBO apoiou desde Bruxelas esta campanha.

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