Articulação internacional dos Movimentos Negros brasileiros avança e prioriza JAPER

Comunicado do WBO
1º de novembro de 2023

  • Grupo formado por 14 organizações do setor dialoga com governos do Brasil e dos EUA em prol de maior participação da sociedade civil nas instâncias internacionais

  • Ações conjuntas chegam à ONU, à OEA, ao Departamento de Estado dos EUA e às presidências estadunidense e brasileira e aponta o JAPER como uma das prioridades

O Washington Brazil Office (WBO) apoia a articulação internacional dos movimentos negros do Brasil e constituiu em dezembro de 2022 um Grupo de Trabalho sobre Justiça Racial – hoje composto por um total de 14 organizações referentes dos movimentos negros brasileiros – para apoiar e ampliar a participação da sociedade civil organizada nas ações voltadas para questão da justiça racial no Brasil e nos EUA. O Grupo mantém interlocuções com os governos do Brasil e dos EUA, o Congresso estadunidense, a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Organização das Nações Unidas (ONU) e a sociedade civil estadunidense.

Para a operacionalização do Grupo de Trabalho, o WBO implementou uma metodologia de escuta ativa das demandas das organizações dos movimentos negros afiliados, resultando na elaboração de um plano de trabalho formulado diretamente pelas organizações da sociedade civil brasileira que compõem o grupo e cujo conteúdo reflete as suas agendas de lutas no âmbito internacional.

Todo o esforço do WBO é para apoiar e contribuir ao crescente protagonismo e voz ativa das próprias  organizações dos movimentos negros que são muito potentes, não apenas dentro do Brasil, mas também nas instâncias internacionais. O movimento negro brasileiro tem uma grande vocação internacional, tem muito o que dizer e compartilhar com a comunidade internacional. É um privilégio para o WBO poder servir como estrutura de apoio e facilitação a esse trabalho internacional direto do movimento negro
— Paulo Abrão, diretor executivo do WBO.

Em 11 meses de ação conjunta, o Grupo de Trabalho sobre Justiça Racial conseguiu promover uma série de iniciativas ligadas à inter-relação entre os governos do Brasil e Estados Unidos, e organismos multilaterais, e também na academia. Dentre essas ações, destaca-se o papel central da incidência realizada pelo Grupo pela reativação do JAPER – sigla em inglês do Plano de Ação Conjunta Brasil-Estados Unidos para a Eliminação da Discriminação Étnico-Racial e a Redução da Desigualdade, que fez com que os governos estadunidense e brasileiro estabelecessem uma retomada do plano e prometessem dar mais espaço e maior peso às organizações da sociedade civil na concepção e na realização de suas políticas conjuntas para o setor.

A retomada do JAPER

Em dezembro de 2022, o WBO se reuniu com o CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), organização que atuou nas tratativas do JAPER em seu primeiro momento de implementação (2008-2011). No encontro, o CEERT propôs que a retomada do acordo fosse um foco de incidência para o ano de 2023. O tema foi levado à reunião do Grupo de Trabalho sobre Justiça Racial em janeiro de 2023

Após a deliberação do Grupo de Trabalho sobre a centralidade da articulação social em torno do JAPER, a primeira ação empreendida pelo grupo foi o envio de uma carta, no dia 8 de fevereiro, aos presidentes dos Estados Unidos, Joe Biden, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, na qual as organizações reivindicaram a efetiva implementação do acordo binacional que havia sido assinado em 2008, nas administrações de Lula e de George W. Bush. O grupo, que à época era formado por apenas 10 das 14 organizações atuais, pedia ainda que a implementação do acordo fosse feita com uma participação efetiva da sociedade civil dos dois países, e não ficasse circunscrito apenas às ações governamentais.

É fundamental a cooperação entre os dois países no combate ao racismo e na promoção da equidade racial. O JAPER é uma plataforma que pode impulsionar ações importantes nesse território desde que as organizações negras sejam centrais em qualquer tratativa
— Daniel Teixeira, do Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades).

Um dos resultados do encontro entre Lula e Biden, em Washington, em fevereiro deste ano, foi precisamente o anúncio da retomada do JAPER, como pedia a carta enviada a ambos os presidentes na véspera da reunião entre os dois líderes.

Presidentes dos EUA, Joe Biden, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em encontro em Washington

Três meses depois, em 12 de maio, o Grupo, já ampliado para 13 das 16 organizações atuais, foi convidado para uma reunião com o Ministério da Igualdade Racial (MIR) para receber atualizações sobre as negociações intergovernamentais acerca do acordo, e também discutir os próximos passos sobre a implementação do JAPER. Naquele momento, as organizações posicionaram o WBO perante ao Governo do Brasil como a organização de apoio à articulação dos movimentos negros brasileiros no âmbito do JAPER.

Reunião do Grupo de Trabalho sobre Justiça Racial com a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, em 22 de maio de 2023.

Em resposta à reunião, as 13 organizações do Grupo de Trabalho enviaram carta à ministra Anielle Franco reiterando o pedido por uma ampla participação da sociedade civil nos processos de negociação do JAPER, tanto na esfera doméstica quanto internacional. Essa comunicação resultou em reunião com a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, em 22 de maio, onde foi assegurado o compromisso do Governo do Brasil pela participação da sociedade civil no desenho e implementação do JAPER. Tal compromisso foi reafirmado pela ministra na reunião oficial de lançamento do acordo, ocorrida em 23 de maio em Brasília.

Em 18 julho, os governos do Brasil e dos Estados Unidos promoveram uma ampla reunião sobre o JAPER, envolvendo a participação de representantes do governo e da sociedade civil dos dois países. Na ocasião, o Grupo de Trabalho apresentou aos dois governos uma nova carta para a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e a representante Especial para Equidade Racial e Justiça dos EUA, Desireé Cormier-Smith, com posicionamento detalhado sobre as demandas da sociedade civil brasileira sobre os temas até então pactuados entre os dois governos no âmbito do JAPER. O documento, de 6 páginas, apontou a necessidade de maior robustez nas propostas até então pactuadas, assim como tópicos considerados essenciais para a sociedade civil brasileira. Apesar de não ter recebido resposta da contraparte governamental dos EUA, a Ministra Anielle Franco deu resposta positiva ao grupo reforçando o desejo de incluir a sociedade civil brasileira, assim como o interesse em abarcar quase que a totalidade dos pontos listados pelos Movimentos nas negociações sobre o acordo.

Reunião sociedade das organizações da sociedade civil brasileira e da sociedade civil americana com representantes dos governos do Brasil e dos EUA sobre o JAPER, em 18 de julho de 2023

Em agosto, o Grupo de Trabalho sobre Justiça Racial do WBO  voltou a se reunir com o Governo do Brasil para discutir a criação de um grupo de trabalho técnico que formalizasse as negociações sobre o JAPER do lado brasileiro, a ser instituído por portaria do Ministério da Igualdade Racial. O Grupo de Trabalho nomeou duas de suas organizações para participar da iniciativa do Ministério - Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) e Coletivo de Entidades Negras (CEN), reforçando a posição do Grupo como centro de articulação da sociedade civil brasileira sobre o tema. Ainda, representantes da articulação participaram de reuniões temáticas promovidas pelos dois países para discutir os pilares de Educação e Saúde do JAPER, em encontros realizados virtualmente nos dias 11 e 12 de setembro.

Durante esse período, o  Washington Brazil Office também buscou realizar articulações bilaterais com o Governo dos Estados Unidos sobre o JAPER, reunindo-se com a Embaixada dos Estados Unidos em Brasília, o Escritório sobre Brasil e Cone Sul (BSC) do Departamento de Estado, o Escritório sobre Planejamento de Políticas, o Escritório sobre Democracia, Direitos Humanos e Trabalho (DRL) do Departamento de Estado dos EUA, e o Escritório da Representante Especial sobre Equidade Racial e Justiça.

O Grupo de Trabalho de articulação do Movimentos Negros do Brasil no JAPER segue avançando. Além do seguimento do contato com o Governo do Brasil, foi encaminhado um pedido de encontro virtual entre as organizações do Grupo de Trabalho do WBO e o Departamento de Estado dos EUA para introduzir formalmente a articulação social brasileira sobre o JAPER. Por fim, o WBO também articula, juntamente a parceiros estadunidenses, a ida em dezembro deste ano de representantes das organizações do GT para uma reunião presencial nos Estados Unidos com representantes da sociedade civil estadunidense e do governo dos EUA sobre o JAPER. 

Para além do JAPER

A articulação para reativar o JAPER e para aumentar a participação da sociedade civil no acordo binacional é apenas uma das agendas do trabalho internacional que o WBO desenvolve ao  lado  das organizações do movimento negro.

Em 10 de março, um grupo de sete organizações brasileiras e estrangeiras promoveu em Nova York um “side event” (categoria de “evento paralelo”) à Comissão da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre a Situação das Mulheres sobre “Os Movimentos de Mulheres Negras Brasileiras e suas Contribuições para a Luta Anti-racista Global”.

Soledad García Muñoz

Relatora Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos)

Em 30 de maio, 11 organizações do Grupo de Trabalho sobre Justiça Racial  brasileiros apresentou no Fórum Permanente de Afrodescendentes da ONU, em Nova York, uma carta na qual defende a adoção de uma agenda de reparações raciais que seja adotada a partir de uma perspectiva brasileira. Entre vários pontos contidos na carta, o grupo pediu que a próxima edição do Fórum ocorra no Brasil. Essa instância da ONU foi criada em 2021, teve sua primeira edição em 2022, em Genebra, e a segunda edição, em 2023, em Nova York.

Em outra frente, o WBO co-organizou a visita a Washington de uma comitiva formada por 16 organizações dos movimentos negros, que, entre 29 de maio e 8 de julho, esteve em Washington e em Nova York para ampliar a cooperação internacional e fortalecer a luta contra a impunidade em casos de violência racial no Brasil. As organizações, que fazem parte da Aliança Negra pelo Fim da Violência, com apoio do Fundo Elas+, foram recebidas, entre outros interlocutores, pelo Escritório de Assuntos do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado estadunidense, pela Missão do Brasil junto à OEA (Organização dos Estados Americanos), pela CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) e pelo Black Caucus, grupo que, desde 1969, reúne parlamentares afrodescendentes.

A interlocução com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) se deu pela realização de reuniões com as Relatorias temáticas sobre os Direitos dos Afrodescendentes e contra a Discriminação Racial e sobre os Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA), que resultaram na visita ao Brasil da então titular da REDESCA, Sra. Soledad García Muñoz, que, entre os dias 11 e 17 de junho, esteve em São Paulo, Brasília, Salvador e Rio de Janeiro. A visita resultou na apresentação de um relatório final sobre a situação dos direitos humanos no Brasil, no qual as questões de justiça racial estão presentes.

Reunião do Grupo de Trabalho sobre Justiça Racial com as relatorias temáticas sobre os Direitos dos Afrodescendentes e contra a Discriminação Racial e sobre os Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA) da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos)

Em setembro, o WBO (Washington Brazil Office) teve a oportunidade de apoiar a organização de uma viagem de 15 dias a Washington e Nova York liderada pelos representantes do LabJaca, entidade pertencente a Conferência Nacional de Favelas, organização afiliada e membra do GT sobre Justiça Racial do WBO. A intenção do Lab Jaca é a de internacionalizar e fortalecer a agenda dos movimentos brasileiros de periferia e que agora passa a constituir-se como uma das novas linhas de ação de apoio técnico do WBO. Os membros do LabJaca estiveram em reuniões, seminários, recepções e outras atividades organizadas diretamente ou por parceiros. A agenda coincidiu com a 78ª Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas. A maior parte dos eventos esteve relacionada com a relação entre as medidas de proteção do meio ambiente e as periferias – que são as que mais sofrem, no mundo todo, com os efeitos das mudanças climáticas.

O WBO também tem apoiado a interlocução dos movimentos negros com a UNESCO para uma maior participação social no Fórum Global contra a Discriminação e Racismo, cuja edição de 2023 ocorrerá em São Paulo entre 29 de novembro e 1º de dezembro. Outro tema relevante em discussão é possível convite para que algumas das organizações possam participar do evento chamado Mesa Redonda Global de Justiça Racial (Global Racial Justice Roundtable), que acontecerá no Rio de Janeiro, de 5 a 7 de dezembro, promovido pela Iniciativa Global por Justiça, Verdade e Reconciliação (Global Initiative for Justice, Truth and Reconciliation), organização parceira da ICSC (Coalition of Sites of Conscience) e do CSVR (Centre for the Study of Violence and Reconciliation).

Próximos passos no apoio à Articulação Internacional 

Os próximos meses prometem uma intensificação no apoio técnico dado pelo WBO aos movimentos negros brasileiros em sua agenda internacional. A organização promoverá, no próximo mês de dezembro, um encontro presencial das organizações de seu GT sobre Justiça Racial para avaliar as próximas etapas de articulação do Grupo, que incluem a continuidade do apoio a todas as agendas que fizeram parte dos trabalhos de 2023, os próximos passos de atuação no JAPER e a ampliação para foros até então não explorados pela articulação.

As seguintes organizações constituem o Grupo de Trabalho sobre Justiça Racial do WBO:

  • Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT)

  • Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ)

  • Coletivo de Entidades Negras (CEN)

  • Fundo Agbara

  • Geledés - Instituto da Mulher Negra

  • Instituto de Referência Negra Peregum

  • Instituto Maria e João Aleixo (IMJA)

  • Instituto Marielle Franco

  • Instituto Cultural Steve Biko (ICSB)

  • Laboratório de dados e narrativas sobre favelas (LabJaca)

  • NZinga Coletivo de Mulheres Negras

  • Observatório da Branquitude

  • ODARA – Instituto da Mulher Negra

  • UNEAFRO Brasil

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