A sub-representatividade negra nos Legislativos do Brasil

Andrew Janusz é professor assistente de Ciência Política na Universidade da Flórida. Sua pesquisa se concentra em eleições e representação política no Brasil. Ele publicou vários artigos em veículos revisados por pares e atualmente está escrevendo um livro sobre política racial no Brasil. Este artigo foi escrito por ele para a edição 90 do boletim semanal do WBO, de 27 de outubro de 2023. Para assinar o boletim, basta inserir seu email no formulário no rodapé do artigo.


O Brasil é o país que, fora da África, abriga a maior população afrodescendente do mundo. Entretanto, a política brasileira é dominada por brancos. Nos níveis local, estadual e nacional, as autoridades eleitas são predominantemente brancas. Quanto mais prestigiado e poderoso for o cargo, menores serão as chances de um afro-brasileiro ocupá-lo. De acordo com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em 2022, apenas 26% dos políticos eleitos para a Câmara dos Deputados do Brasil eram afro-brasileiros. Um número ainda menor conseguiu cadeiras no Senado Federal: apenas 5 dos 27 senadores eleitos em 2022 para o Senado identificam-se como afro-brasileiros.

Após cada eleição, os meios de comunicação no Brasil relatam que os afro-brasileiros estão sub-representados e especulam sobre o porquê. O que está mantendo os afro-brasileiros fora do poder? A sua sub-representação deve-se a oportunidades insuficientes, à falta de recursos ou à discriminação? Alguns brasileiros afirmam que a sub-representação afro-brasileira não é importante. Vários políticos me disseram pessoalmente que o fato de um legislador ser branco ou afro-brasileiro não diz nada sobre o que eles fazem no cargo e alegaram que os legisladores brancos são capazes de representar os interesses dos cidadãos não-brancos do Brasil. Outros, porém, sustentam que a composição racial do Congresso afeta a sua aparência e determina a quem o Legislativo serve.

Os legisladores brasileiros têm amplo poder discricionário sobre as questões políticas em que se concentram, mas dispõem de tempo e energia escassos. Eles simplesmente não conseguem se dedicar a todas as questões. Como resultado, dedicam-se a resolver os problemas pelos quais têm conhecimento e são apaixonados – normalmente questões que os afetam a nível pessoal. Entre as questões que afetam pessoalmente os legisladores afro-brasileiros está a discriminação racial. Em suas memórias, Benedita da Silva, a primeira mulher afro-brasileira eleita para o Congresso, não apenas relata diversas ocasiões em que sofreu pessoalmente discriminação racial, mas também como essas experiências moldaram suas prioridades.

“Conheço a posição dos negros neste país. Desde que eu era pequena, fui obrigada a me colocar no meu lugar. Aprendi a entrar pela porta dos fundos. Disseram-me que eu era feia por que tinha cabelos crespos e pele negra. Tenho uma responsabilidade especial de falar sobre um assunto que conheço– (falar) contra a discriminação racial, contra os direitos desiguais das mulheres e contra as injustiças sofridas pelos pobres”. (Riding 1987).

Benedita da Silva, primeira mulher afro-brasileira eleita para o Congresso

O registo de Benedita Da Silva no Congresso demonstra que os seus comentários não são conversa fiada. Ao longo de sua carreira, ela patrocinou vários projetos de lei sobre questões raciais, bem como se manifestou publicamente contra o racismo. Embora tenha se destacado como uma forte defensora dos afro-brasileiros, ela não é a única. De acordo com dados sobre o patrocínio de projetos de lei, entre 1995 e 2022, os legisladores afro-brasileiros eram significativamente mais propensos a patrocinar legislação que atendesse às necessidades materiais da comunidade afro-brasileira e projetos de lei que valorizassem a negritude na sociedade brasileira.

Nem todos os legisladores afro-brasileiros, entretanto, estão comprometidos em defender os afro-brasileiros. Alguns consideram isso desnecessário. Hélio Lopes, deputado afro-brasileiro e aliado de Bolsonaro, por exemplo, proclamou publicamente que “não há racismo no Brasil. O Brasil não é um país racista.” Em contraste com muitos outros legisladores afro-brasileiros, ele também se opõe a políticas de ação afirmativa que levem em conta a raça: “Sou totalmente contra as cotas raciais. Meus filhos são negros, mas têm que competir em igualdade de condições. Você sabe por quê? Por que a pobreza não tem cor. Se vão dar uma cota social, tem que ser por causa da vulnerabilidade.” No Brasil, porém, a pobreza tem uma cor – preta. Conforme observado no relatório anual do WBO (Washington Brazil Office), os afro-brasileiros são significativamente mais pobres do que os seus homólogos brancos. A expansão do acesso à educação através de cotas tem o potencial de mudar esta situação. Tal como salientado pelos meus colegas, o Ensino Superior é a ferramenta mais eficaz para a mobilidade social.

Nem todos os legisladores afro-brasileiros estão comprometidos com o avanço de uma agenda racial. É importante ressaltar, porém, que nem todos os legisladores brancos se opõem a isso. Em 2012, quando as políticas de ação afirmativa foram implementadas pela primeira vez, a maioria dos legisladores brancos votou a favor delas. Legisladores brancos afiliados a partidos de esquerda como o PT e o PSOL apoiam rotineiramente uma legislação racialmente consciente. Esse apoio é importante, pois devido às disparidades raciais na representação política, os legisladores afro-brasileiros não podem fazer avançar a legislação que propõem sem a sua ajuda. Eles simplesmente não têm votos.

Os afro-brasileiros fazem a diferença no processo de formulação de políticas. Eles têm interesses políticos, preferências e prioridades diferentes das de seus homólogos brancos. Mas as políticas que são debatidas, votadas e, em última análise, promulgadas estão condicionadas às assembleias eleitas como um todo. Quando os afro-brasileiros têm pouca representação, é provável que as suas necessidades sejam deixadas de fora da agenda nacional e pode-se esperar que as políticas implementadas reforcem a desigualdade racial.


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