EUA-Brasil: aliados próximos ou vizinhos distantes

Carlos Gustavo Poggio é professor associado de Ciência Política no Berea College, KY. Este texto foi escrito por ele originalmente para a edição 51 do Boletim Informativo do WBO (Washington Brazil Office), publicado em 27 de janeiro de 2023. Para acessar e assinar o Boletim semanal do WBO em inglês, preencha o formulário no rodapé do texto.


Cada vez que um novo governo toma posse no Brasil ou nos Estados Unidos, começam as especulações sobre qual será o seu efeito nas relações bilaterais. O que o futuro das relações EUA-Brasil reserva com Luiz Inácio Lula da Silva e Joe Biden? Quão diferente será do encontro Bolsonaro-Trump?

Por um lado, existem oportunidades óbvias, como no campo do meio ambiente. Tanto Biden quanto Lula fizeram das preocupações ambientais um tema central de suas campanhas, enquanto Bolsonaro e Trump notoriamente não se importaram muito com sutilezas como ar limpo ou calotas polares. Biden mencionou especificamente o Brasil em um dos debates de 2020, o que é uma raridade nos debates presidenciais dos Estados Unidos. Ao discutir o desmatamento, o então candidato democrata declarou que estaria disposto a criar um fundo de US$ 20 bilhões para compensar o Brasil pela preservação da Floresta Amazônica. De fato, o governo Lula faria bem em avaliar o quão comprometido o presidente dos EUA possa estar a respeito disso, e pedir a fatura no primeiro ano de seu governo.

No entanto, um panorama mais amplo da história das relações Brasil-Estados Unidos deve deixar claro que não há razão para esperar mudanças profundas nas interações bilaterais devido a mudanças pontuais nas presidências. Sim, houve modificações de tom e estilo, e houve escaramuças esporádicas, como a dos governos Dilma Rousseff e Barack Obama em torno da espionagem, bem como declarações mútuas de amor, como o recente bromance Bolsonaro-Trump. Mas não houve transformações reais, como uma assinatura de um acordo de livre comércio ou a ruptura de relações diplomáticas.

Nesse sentido, as relações Brasil-Estados Unidos são muito diferentes das relações México-Estados Unidos ou Argentina-Estados Unidos, que historicamente tiveram muito mais altos e baixos. Desde sua independência, o Brasil sempre procurou assegurar um relacionamento bom, porém relativamente distante, com os Estados Unidos. Em contraste, enquanto o Brasil aderiu aos Aliados na Segunda Guerra Mundial, a Argentina, por exemplo, recusou-se a romper relações com as Potências do Eixo e ficou conhecida como a “má vizinha” nos círculos da política externa dos Estados Unidos. O Brasil nunca foi uma prioridade genuína do ponto de vista da política externa americana. A política de “América Latina” dos Estados Unidos sempre foi sobre o México primeiro, depois a América Central e o Caribe, com a América do Sul em geral e o Brasil em particular, como pensamentos posteriores.

Ocasionalmente, pode acontecer algo que gere material para analistas e especialistas políticos declararem uma “nova era” nas relações Brasil-Estados Unidos. Ainda assim, mais cedo ou mais tarde, as coisas voltarão a padrões históricos mais amplos.

Ocasionalmente, pode acontecer algo que gere material para analistas e especialistas políticos declararem uma “nova era” nas relações Brasil-EUA (...) Entretanto, um panorama mais amplo da história das relações entre os dois países deve deixar claro que não há razão para esperar mudanças profundas nas interações bilaterais devido a mudanças pontuais nas presidências
— carlos gustavo poggio

Foi o que aconteceu recentemente, no caso dos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, um presidente brasileiro que fez da relação com Donald Trump um dos pilares de sua estratégia de política externa. Assim que Trump deixou a Casa Branca, Bolsonaro substituiu seu antigo ministro das Relações Exteriores, não convencional – e relativamente não qualificado – por um nome mais familiar e profissional, que rapidamente reduziu parte da imprudência de seu antecessor. Com Trump em Mar-a-Lago e não na Casa Branca, Bolsonaro pareceu perder rapidamente o interesse pela política externa e deixou o assunto com os profissionais do setor.

Nesse sentido, o governo Lula seguirá a segunda e mais convencional fase da política externa de Bolsonaro. Por exemplo, quando se trata de questões centrais como a guerra na Ucrânia, não está claro como um governo Lula seria muito diferente do de Bolsonaro, cujo apoio à Ucrânia tem sido um tanto cauteloso. De fato, a guerra na Ucrânia pode se tornar um ponto de atrito entre os governos Lula e Biden.

Lula criticou veementemente Zelensky, alegando que os presidentes ucraniano e russo são igualmente responsáveis pela guerra. Lula também criticou as sanções contra a Rússia e disse que Biden “poderia ter evitado” a guerra se tivesse pegado “um avião para Moscou para conversar”.

Ao contrário de Bolsonaro, Lula é conhecido por gostar de participar ativamente dos assuntos externos. Por exemplo, enquanto Bolsonaro faltou à reunião da COP-27 em novembro, Lula viajou ao Egito e se reuniu com vários líderes mundiais. Com a guerra na Ucrânia e suas consequências econômicas e políticas longe de serem ignoradas, a propensão de Lula a participar ativamente da política externa pode criar problemas com o governo Biden. Mas, novamente, isso pode não ter consequências mais profundas ou de longo prazo. Biden pode mostrar algum descontentamento, Lula pode gostar de estar no centro das atenções enfrentando os Estados Unidos como forma de agradar sua base de esquerda, mas Brasil e Estados Unidos continuarão vizinhos distantes.


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