O ressurgimento e a liderança do Brasil no G20: forjando pontes em uma ordem mundial em transformação

Feliciano de Sá Guimarães é diretor acadêmico do CEBRI (Centro Brasileiro de Relações Internacionais) e professor da Universidade de São Paulo. Beatriz Pfeifer é coordenadora de Projetos do CEBRI. Este texto foi escrito originalmente para a edição 85 da newsletter do WBO, publicada em 22 de setembro de 2023. Preencha o formulário no final do texto para acessar e assinar a newsletter semanal da WBO em inglês.


A partir de 1º de dezembro de 2023, a presidência do Grupo dos 20 (G20) passará da Índia para o Brasil, marcando um momento significativo no cenário da governança global em evolução. No próximo ano, o Brasil será o anfitrião de centenas de reuniões, no que se constituirá numa oportunidade crítica para tratar de um sistema de governança global cada vez mais fragmentado e também para defender questões vitais para os interesses brasileiros. Este papel também permite ao País reforçar a sua posição como ator global, com o presidente Lula a destacar prioridades-chave, incluindo a desigualdade, o desenvolvimento sustentável e a reforma da governação global. A posição única do Brasil coloca-o como um potencial construtor de pontes entre os países do G7 e dos BRICS nestas áreas críticas. Com a conclusão da presidência da Índia no G20, a atenção do mundo está agora firmemente fixada no Brasil – a terceira nação do Sul Global a presidir o G20 – numa sequência que inclui Indonésia, Índia, Brasil e África do Sul.

O G20 compreende as 20 maiores economias do mundo, proporcionando uma plataforma crucial para a coordenação de políticas globais em questões como o comércio, a regulação financeira e as mudanças climáticas. Inicialmente estabelecido em 1999 como um fórum para presidentes de Bancos Centrais e ministros das economias industrializadas mais influentes, a sua importância cresceu no rescaldo da crise econômica e financeira global de 2007/2008. Com o tempo, a agenda do G20 expandiu-se para abranger uma vasta gama de questões sociopolíticas, incluindo a guerra na Síria, a crise dos refugiados e a pandemia da COVID-19.

Apesar de representar aproximadamente dois terços da população mundial, de contribuir para mais de 75% do comércio global e para cerca de 85% do PIB global, além de gerar 78% das emissões globais de carbono, o G20 enfrenta desafios decorrentes de divisões profundas nas economias de seus países-membros. Acontecimentos recentes, como a guerra na Ucrânia e a competição EUA-China, criaram obstáculos à obtenção de consenso, sublinhando a vulnerabilidade do fórum.

Durante os seus nove meses de mandato, o presidente Lula reafirmou o compromisso do Brasil com a democracia, promoveu o acordo de livre comércio União Europeia-Mercosul, expandiu os BRICS acolhendo novos países membros e navegou em tensões políticas globais como a rivalidade EUA-China e a Guerra na Ucrânia. Sob a sua liderança, o Brasil tem-se reintegrado ativamente no cenário global como uma força diplomática valiosa, reconhecendo a natureza cada vez mais multipolar do mundo, e o G20 oferece uma plataforma ideal para aumentar ainda mais a sua influência.

Ao destacar a paz e a cooperação como fundamentais para os trabalhos do próximo ano, o Brasil tem o potencial de aumentar a legitimidade do G20 como plataforma para a cooperação internacional, contribuindo para o desenvolvimento de uma ordem mundial multipolar e reafirmando o seu status como um influenciador global

Na Cúpula de Nova Deli, a presidência do Brasil delineou três prioridades principais: a inclusão social e a luta contra a fome, a transição energética e o desenvolvimento sustentável nas dimensões sociais, econômicas e ambientais, e a reforma das instituições de governação global. O presidente Lula ressaltou a importância de evitar que questões geopolíticas dominem a agenda do fórum, destacando que “um G20 dividido não nos interessa”. A ação conjunta, acredita ele, é essencial para enfrentar os desafios à frente. Oito décadas após a histórica Cúpula de Bretton Woods, em 1944, o G20 de 2024 apresenta uma oportunidade para o Brasil alavancar a sua história como potência pacífica e mediadora, capaz de impulsionar o progresso, mesmo em meio a diferenças.

Em forte contraste com o passado, o anterior presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, apareceu isolado na conferência do G20 de 2021 e esteve notavelmente ausente da Cúpula da Indonésia de 2022. Em 2023, o Brasil, sob a liderança do presidente Lula, recuperou o seu lugar no cenário global. As interações positivas de Lula com outros líderes mundiais elevaram a posição internacional do Brasil, preparando o terreno para uma presidência transformadora do G20. Ao destacar a paz e a cooperação como fundamentais para os trabalhos do próximo ano, o Brasil tem o potencial de aumentar a legitimidade do G20 como plataforma para a cooperação internacional, contribuindo para o desenvolvimento de uma ordem mundial multipolar e reafirmando o seu status como um influenciador global. O maior desafio que temos pela frente será servir de ponte entre o G7 e as nações do G20.


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