Por que Lula deve indicar uma mulher nega para o Supremo

Maria Sylvia de Oliveira é advogada, coordenadora de Políticas de Promoção de Igualdade de Gênero e Raça de Geledès-Instituto da Mulher Negra; mestranda no Programa de Pós-Graduação em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades – Diversitas na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP). Este artigo foi escrito por ela para a edição 84 do boletim semanal do WBO, de 14 de setembro de 2023. Para assinar o boletim, basta inserir seu email no formulário no rodapé do artigo.


Desde que foram anunciadas as aposentadorias do ministro Ricardo Lewandowski e da ministra Rosa Weber, no Supremo Tribunal Federal, espera-se que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nomeie ao menos uma mulher, e que ela seja negra, para ocupar uma dessas cadeiras.

As expectativas procedem. Em seus 132 anos de existência, o STF teve apenas três mulheres, todas brancas, que ocuparam assento na mais alta Corte do país, num colegiado composto por 11 ministros. Nesses 132 anos nenhuma mulher negra foi sequer considerada como uma possibilidade de tomar assento neste tribunal.

Na data de sua posse, o presidente Luiz Inácio da Silva subiu a rampa do Planalto acompanhado de representantes das populações discriminadas deste País, dentre elas uma mulher negra e uma criança negra, sinalizando que seu governo demandaria atenção para essas pessoas que o ajudaram a se reeleger. Em seu discurso de posse Lula disse: “É inaceitável que continuemos a conviver com o preconceito, a discriminação e o racismo.” É hora de o próprio presidente Lula dar o primeiro passo no enfrentamento ao racismo no Brasil, nomeando para o Supremo Tribunal Federal uma mulher negra. Não podemos mais viver apenas de simbologias.

Um país verdadeiramente democrático deve espelhar em suas instituições o conjunto de sua sociedade e ser responsivo. Por isso, é extremamente importante defender a diversidade na mais Alta Corte do País e, mais do que isso, defender a nomeação de uma mulher negra para uma vaga no STF.

A função exige da indicada notório saber jurídico e reputação ilibada, adjetivos que sobram em juristas negras, operadoras do direito, e muitas reconhecidas na esfera internacional por suas atuações. Não lhes falta competência.

É extremamente importante uma mudança de perspectiva de olhar sobre o nosso Sistema de Justiça – uma perspectiva realmente garantista. A Constituição Federal, como um instrumento de transformação da sociedade, deve ter necessariamente uma interpretação jurídica compromissada em dar materialidade para o princípio da igualdade, buscando a emancipação dos grupos discriminados. A verdadeira justiça, equidade, solidariedade e bem-estar são valores inegociáveis. 

Em seus 132 anos de existência, o STF teve apenas três mulheres, todas brancas, que ocuparam assento na mais alta Corte do país, num colegiado composto por 11 ministros
— Maria Sylvia de Oliveira

O recente episódio envolvendo Sônia Maria de Jesus, uma mulher negra de 49 anos, surda e muda, que desde de os 9 anos de idade era submetida a um regime de trabalho doméstico “análogo” à escravidão, na casa do desembargador Jorge Luiz Borba, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, um homem que deveria cumprir as leis – e que teve garantido pelo ministro André Mendonça o retorno da vítima para a sua casa –, nos dá a exata medida da necessidade da pluralidade racial no Supremo Tribunal Federal.

A Convenção Interamericana Contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, promulgada pelo Congresso Nacional pelo decreto nº 10.932, em janeiro de 2022 – portanto, com status de emenda constitucional – dispõe em seu artigo 9: “Os Estados Partes comprometem-se a garantir que seus sistemas políticos e jurídicos reflitam adequadamente a diversidade de suas sociedades, a fim de atender às necessidades legítimas de todos os setores da população, de acordo com o alcance desta Convenção.”  A nomeação de uma mulher negra para a Suprema Corte brasileira, portanto, está respaldada em Convenção internacional para o combate ao racismo.

Por outro lado, o Conselho Nacional de Justiça atento à necessidade de mudanças profundas no Sistema de Justiça lançou o Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial, que consiste na “adoção de programas, projetos e iniciativas a serem desenvolvidas em todos os segmentos da Justiça e em todos os graus de jurisdição, com o objetivo de combater e corrigir as desigualdades raciais, por meio de medidas afirmativas, compensatórias e reparatórias, para eliminação do racismo estrutural no âmbito do Poder Judiciário”.

Os ataques que estão sendo dirigidos à campanha e seus idealizadores para sensibilizar a sociedade e o presidente Lula para a nomeação de uma mulher negra para o STF são provas de que setores da dita esquerda democrata e progressista são racistas, não conseguem conceber a mulher negra em outro lugar que não seja o da completa subalternidade. Se faz urgente e necessário que o Estado brasileiro, agora na pessoa do presidente Lula, dê o um passo na direção de desmantelar o racismo sistêmico e institucional.

“Os Estados devem mostrar uma vontade política mais forte para acelerar a ação por justiça, reparação e igualdade racial por meio de compromissos específicos e com prazo determinado para alcançar resultados”, diz Michelle Bachelet, no Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos – “Promoção e proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais das pessoas africanas e afrodescendentes contra o uso excessivo da força e outras violações dos direitos humanos por agentes policiais”.

O presidente Lula tem em suas mãos a oportunidade de dar o exemplo ao nomear uma mulher negra para o Supremo Tribunal Federal, fazer justiça reparatória e entrar para a história do País.


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