Desbloqueando o Financiamento Climático por meio das Florestas: Brasil, BRICS e o Caminho para a COP30

Por Lycia Brasil*


Em um mundo marcado por tensões geopolíticas, desigualdades estruturais e degradação ambiental crescente, a crise climática avança de forma alarmante  e com ela, a urgência por soluções concretas. Embora as respostas técnicas sejam amplamente conhecidas, sua implementação em escala global continua limitada pela escassez de financiamento. Um dos maiores déficits está justamente onde reside uma das soluções mais promissoras: as florestas tropicais.

O BRICS – atualmente composto por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Indonésia, Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos – reúne a maioria dos países megadiversos do mundo. Coletivamente, eles detêm cerca de 43% das florestas globais e 42,8% do estoque florestal em crescimento. Apesar das diferenças internas, os países-membros compartilham desafios e oportunidades relacionados à conservação de ecossistemas, ao manejo sustentável e ao uso estratégico do capital natural.

Embora ainda não haja uma estimativa consolidada para o BRICS ampliado, dados globais já apontam para o imenso potencial do grupo no avanço de SCN (Soluções Climáticas Naturais) e SbN (Soluções Baseadas na Natureza). Brasil e Indonésia juntos, concentram mais de 40% do potencial global de mitigação de SNC, o equivalente a 2,7 bilhões de toneladas de CO₂ por ano.  O Brasil representa cerca de 15% desse total, com dois terços vinculados à prevenção do desmatamento; a Indonésia contribui com uma fração similar, baseada na proteção de florestas e zonas úmidas como manguezais e turfeiras. A Índia, por sua vez, detém cerca de 4%, com destaque para iniciativas de restauração florestal e agricultura regenerativa. Nos últimos anos, a China também emergiu como um importante polo para soluções de florestamento por meio de iniciativas como a Grande Muralha Verde.

Apesar da crescente valorização das florestas na agenda climática, o financiamento continua drasticamente abaixo do necessário. Apenas US$ 2,2 bilhões são investidos anualmente em mitigação e adaptação relacionadas às florestas, menos de 1% do que é necessário até 2050. Um paradoxo evidente, sobretudo quando se estima que o valor econômico de cada tonelada de CO₂ evitada ou removida por meio de ações florestais pode variar entre US$ 100 e US$ 250.

Nesse contexto, as iniciativas recentes do BRICS sob a presidência brasileira em 2025 ganham relevância inédita. Pela primeira vez, a pauta florestal foi incorporada de forma estruturada aos documentos oficiais do bloco. Na 11ª Reunião de Ministros do Meio Ambiente deste ano, o BRICS reconheceu formalmente o TFFF (Tropical Forests Forever Facility), um mecanismo proposto pelo Brasil para atrair investimentos privados por meio de um modelo financeiro que recompensa os países pela preservação das florestas. O plano de trabalho, aprovado na Reunião Ministerial de Gestão de Desastres do BRICS deste ano, delineou metas estratégicas para integrar as NbS às estruturas políticas do grupo e desenvolver modelos de financiamento climático escaláveis. A declaração dos ministros das Relações Exteriores reforçou o apoio político ao TFFF e à valoração dos serviços ecossistêmicos, enfatizando a necessidade de instrumentos financeiros acessíveis e eficazes para o Sul Global. A iniciativa Unidos por Nossas Florestas, também promovida pelo Brasil, foi destacada como uma plataforma para o avanço dos esforços globais relacionados à conservação, gestão e restauração de ecossistemas tropicais essenciais.

Ações complementares incluem a Parceria do BRICS para Restauração de Terras, que promove intercâmbios sobre recuperação de áreas degradadas e agricultura sustentável. Além disso, a 9ª Reunião de Ministros da Indústria do BRICS, também realizada em 2025, comprometeu-se a melhorar a eficiência dos recursos e a promover práticas de economia circular. Embora não mencionem diretamente as florestas, essas iniciativas têm implicações importantes para sua preservação ao influenciar cadeias produtivas.

Apesar desse progresso, o BRICS ainda carece de uma estrutura institucional robusta para a governança florestal. Não há um órgão técnico permanente, metas compartilhadas ou estratégia de financiamento coordenada. Os esforços existentes permanecem fragmentados e vulneráveis ​​a ciclos políticos.

Nesse sentido, o NDB (Novo Banco de Desenvolvimento) tem o potencial de desempenhar um papel transformador. Embora 40% de sua carteira atual seja classificada como verde, o banco ainda carece de instrumentos dedicados à conservação florestal ou à bioeconomia. Desde 2015, destinou US$ 2,4 bilhões a projetos relacionados ao clima, mais do que qualquer outro banco multilateral a instituições nacionais de desenvolvimento. No entanto, para expandir seu impacto, o NBD precisa se reposicionar como uma instituição orientada por uma missão, focada em viabilizar transições ecológicas em todo o Sul Global, inclusive por meio da promoção de NbS.

Isso exigirá o fortalecimento da capacidade técnica, a construção de parcerias locais e a integração de ferramentas como o TFFF em sua arquitetura. Instrumentos financeiros inovadores, como títulos de desenvolvimento verde e sustentável, trocas de dívida por natureza e pagamentos por serviços ecossistêmicos, oferecem caminhos viáveis. Instituições como o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), por meio de sua Iniciativa Amazônia para Sempre, demonstraram que conservação, finanças e desenvolvimento sustentável podem trabalhar em conjunto.

A agenda florestal oferece uma rara oportunidade de convergência política dentro do BRICS. Conecta prioridades domésticas — como segurança hídrica, alimentar e energética — a compromissos internacionais em clima e biodiversidade, com menor grau de polarização do que outras pautas, como transição energética ou reforma monetária. É uma agenda voltada à implementação, com elevado potencial de gerar cooperação efetiva entre os países.

A COP30,  sediada pela primeira vez na Amazônia, oferece uma oportunidade simbólica e estratégica para elevar o papel da natureza nas negociações climáticas globais e o papel do clima e da natureza dentro do BRICS. A presidência brasileira da COP30 tem sinalizado consistentemente suas ambições: em quatro cartas oficiais, enfatizou a proteção das florestas, defendeu o fim do desmatamento até 2030 e posicionou a governança florestal como um pilar da Agenda de Ação da COP30. Essas mensagens refletem a crescente ambição política, retratando as florestas não apenas como ativos ambientais, mas como pilares para a cooperação climática internacional.

Essa visão se alinha aos atuais esforços do Brasil em nível nacional para incluir as NbS e a bioeconomia (incluindo as relacionadas às florestas) como pilar central de seu Plano de Transformação Ecológica, bem como à liderança do país no Brics em 2025, sob o tema “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança Mais Inclusiva e Sustentável”, por meio do qual o Brasil espera assegurar uma posição mais coordenada e ambiciosa na COP30, reafirmando sua legitimidade como uma voz coletiva do Sul Global. Nesse duplo papel — como anfitrião da COP30 e presidente do BRICS — o Brasil está em uma posição única para ajudar a construir consenso sobre financiamento climático, com as florestas tropicais emergindo como um poderoso eixo de cooperação.

Ao alinhar as estratégias nacionais com os processos multilaterais, o Brasil pode transformar seu capital natural em um ativo de liderança diplomática, econômica e climática. Fortalecer a agenda florestal no BRICS e consolidá-la na COP30 será essencial para transformar compromissos em ações e reafirmar o papel das florestas tropicais como infraestrutura vital para o futuro do planeta.


*Lycia Brasil trabalha como assessora de cooperação internacional do Instituto Igarapé e mestre em Gestão e Política Ambiental.


 

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