Migrantes internacionais na extrema direita e as frentes de transnacionalização do bolsonarismo nos EUA

Por Teresa Cristina Schneider Marques*


O trumpismo e o bolsonarismo compõem as chamadas “ultradireitas neopatriotas”, um movimento político que de acordo com Sanahuja e Burian (2024) pode ter particularidades em cada país, mas que compartilha o discurso de desconfiança com os processos eleitorais de democracias liberais. Tal “sinergia ideológica” fez com que os dois países se tornassem um eixo de articulação transnacional e internacional da extrema direita brasileira segundo Paulo Abrão (2024). Ademais, os EUA têm a maior colônia de brasileiros vivendo no exterior – mais de 2 milhões – e tornou-se o país estrangeiro no qual Bolsonaro conquistou sua maior vitória eleitoral extraterritorial em 2022.

A estratégia de transnacionalização bolsonarista foi intensificada a partir de 2022, após a derrota das eleições brasileiras e o fracasso do ataque às sedes das instituições políticas nacionais, no dia 08 de janeiro de 2023. Essas duras derrotas do bolsonarismo acarretaram uma diminuição dos recursos disponíveis para a ação política do bolsonarismo em solo nacional. Quando isso ocorre, os atores tendem a buscar a projeção transnacional de suas causas, com o objetivo de conseguir um efeito “boomerang” identificado por Keck e Sikkink (1998) – isto é, esperam que a sua demanda, após ser acolhida no exterior, retorne mais fortes ao país de origem.

A eleição de Trump em 2024 fortaleceu a direita global, abrindo novas oportunidades para o bolsonarismo, sobretudo a partir da “domesticação” da sua causa pelos Estados Unidos. Segundo  Tarrow e Della Porta (2005), esse processo de transnacionalização diz respeito aos esforços para que a causa seja “adotada” por um segundo país. Ao fazer isso, os brasileiros esperam que esses parceiros americanos intervenham diretamente em seu país de origem, em favor de suas demandas, completando assim o “efeito boomerang”. Essa possibilidade torna-se ainda mais forte num país como os EUA, dada a sua importância geopolítica, militar e econômica.

Com o objetivo de promover a “adoção” do bolsonarismo não apenas pelas instituições políticas norte-americanas, mas também pelas forças econômicas, sociais e culturais dos EUA, três frentes de ação dos bolsonaristas tornam-se cada vez mais evidentes. Em primeiro lugar, destacam-se as instituições e os partidos políticos. Como corretamente apontado por Casarões e Belém López (2025) o bolsonarismo implementou uma série de ações nesse sentido. As conexões partidárias transnacionais e a circulação internacional de membros da elite política bolsonarista por meio de lobby e outras práticas são parte estruturante das ações em favor da “adoção” da causa bolsonarista pelos EUA.

Houve também um investimento voltado para a opinião pública norte-americana. Conforme apurado por repórter da revista Piauí, João Batista Júnior, Eduardo Bolsonaro tem investido boa parte do seu tempo em entrevistas a meios de comunicação de toda sorte – da televisão, a podcasts em plataformas virtuais. O espaço aberto pela mídia local – inclusive pequenos e interioranos –, institutos e think tanks liberais é importante para conquistar a opinião pública norte-americana e assim garantir o apoio necessário às medidas trumpistas direcionadas ao Brasil.

Finalmente, embora receba menor atenção da acadêmica, a pesquisa que desenvolvemos no âmbito do Observatório de Ação Coletiva Transnacional e Política Comparada (OAPoc) verificou que o bolsonarismo também direcionou parte dos seus esforços à mobilização da comunidade brasileira que vive nos Estados Unidos. Trata-se de uma população com potencial para atuar como apoio às duas primeiras frentes, visto que possui atributos linguísticos e se encontra inserida em redes de relacionamento pessoais que permitem a captura de recursos diversos, tanto no país de origem quanto no país de residência dessa comunidade. Assim, os migrantes internacionais podem contribuir com a transnacionalização de forças políticas ao executar diferentes tarefas indispensáveis para tal processo: construção de alianças; tradução de narrativas para um contexto cultural e linguístico específico; mobilização e distribuição de recursos financeiros, organizacionais, simbólicos e culturais; projeção e amplificação de atores e ideias, etc.

A comunidade brasileira tornou-se a terceira frente de ação do bolsonarismo nos Estados Unidos, o que demonstra que é preciso abandonar qualquer olhar homogeneizante ou normativo sobre esses migrantes. Várias ações foram empreendidas para ampliar a motivação e o engajamento desse público, e também para mitigar qualquer custo que pudesse decorrer da ação política desse grupo.

Diversos atores bolsonaristas que migraram para os Estados Unidos – com destaque para o blogueiro Allan Santos, o antigo comentarista da Jovem Pan; Paulo Figueiredo e o deputado Eduardo Bolsonaro – procuram estabelecer intensas relações com essas comunidades, incentivando o engajamento de seus membros e participando da organização de eventos e protestos, usando como uma das ferramentas suas próprias redes sociais. Merece destaque o contato com grupos de apoiadores como o “Yes Brasil”, baseado na Flórida, e um grupo brasileiros de Massachusetts que está à frente da organização do “Congresso Conservador Brasileiro nos Estados Unidos”, um evento que ocorre anualmente, desde 2022.

Atores bolsonaristas residentes no Brasil também fazem esse movimento acontecer. A motociata realizada em 2022 em Orlando que contou com a participação do próprio Jair Bolsonaro e a destinação de R$ 127 mil – montante computado apenas até 2023 – para a participação de parlamentares de direita em eventos conservadores organizados pelas comunidades migrantes sobretudo nos Estados Unidos, conforme verificado por Scofield para a Agência Pública, deixa claro que os bolsonaristas identificaram o potencial dessa população para o seu projeto de transnacionalização. Tais ações fortalecem o sentimento nacionalista e integram essas comunidades por meio uma identidade política compartilhada, ancorada em valores conservadores.

Portanto, a estratégia de transnacionalização do bolsonarismo é bem estruturada e projetada em múltiplas escalas. Nos Estados Unidos, ela inclui desde as instituições e partidos políticos americanos até a comunidade migrante brasileira. Esse caso evidencia que, se quisermos compreender a transnacionalização dessa direita brasileira que ganhou maior atenção da mídia recentemente com o chamado “tarifaço” imposto por Donald Trump, faz-se necessário voltar também o olhar para o nível micro e para a atuação de atores invisibilizados como os migrantes.


*Teresa Cristina Schneider Marques é doutora em Ciência Política e bolsista de produtividade do CNPq. É docente graduação em Relações Internacionais e do programa de pós-graduação em Sociologia e Ciência Política da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).


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