Qual a situação jurídica de Jair Bolsonaro no Brasil

Por David Tangerino*


 O ex-presidente Jair Bolsonaro foi denunciado, em 18.2.2025, pela Procuradoria-Geral da República (PGR), pela prática de diversos crimes, entre eles os de tentativa de golpe de Estado, de abolição do Estado Democrático de Direito e de organização criminosa, ao lado de outras 33 pessoas. O Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu a denúncia em 26.3. 2025, por unanimidade, tornando-o, assim, réu.

De maneira resumida, a acusação compreende atos entre 29.7.2021 e 8.1.2023. O marco inicial é uma live realizada por Bolsonaro, em que ataca o sistema de votação eletrônica, sem provas, além de afirmar interferências de Ministros do STF e do Superior Tribunal Eleitoral (TSE) nas eleições. O texto-base da live é atribuído ao então dirigente da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), Alexandre Ramagem.

Articulados ao discurso, havia tanto um esquema de disseminação da desinformação, como de desenho de atos administrativos – a Advocacia-Geral da União (AGU) promoveria pareceres que blindariam os servidores, inclusive da Polícia Federal, que se recusassem a cumprir ordens “manifestamente ilegais” do Judiciário. Pronunciamentos semelhantes ocorrem aos dias 3 e 4 de agosto do mesmo ano e nos anos seguintes.

Em 7 de setembro de 2021, data de celebração da Independência do Brasil, Bolsonaro avisa o então presidente do STF, Luiz Fux, que “ou chefe desse Poder enquadra o seu, ou esse Poder pode sofrer aquilo que não queremos”.

Em 2022, merece destaque gravação de reunião ministerial de 5 de julho. Além de determinar a todos os presentes ataques públicos ao sistema eleitoral, anunciou que convocaria reunião com embaixadores estrangeiros no Brasil, para denunciar a nunca provada fraude nas eleições (ocorrida em 18.7. 2022); o General Augusto Heleno afirmou ter conversado com um Diretor da ABIN para infiltrar agentes nas campanhas eleitorais; nessa reunião, o afirma que “se tiver que virar a mesa, é antes das eleições. (…) Nós vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas”.

No dia do segundo turno das eleições gerais (30.10.2022), a Polícia Rodoviária Federal (PRF) implementou blitzes que, sob pretexto de apurar denúncias de compra de votos, foram alocadas de maneira desproporcional pelo país, privilegiando massivamente localidades em que Lula fora mais votado no primeiro turno, segundo mapeamento prévio. Os bloqueios só foram desmobilizados diante de ameaça de prisão em flagrante do Delegado-Chefe da PRF, Silvinei Vasques, feita pelo então presidente do TSE, Alexandre de Moraes.

Vencida a eleição por Lula, o argentino Fernando Cerimedo faz live poucos dias depois, em 4 de novembro, dando voz a dossiê elaborado com informações falsas, reiterando o discurso de fraude; o conteúdo foi largamente difundido pelas integrantes da alegada organização criminosa, em que pese – como aponta mensagem apresentada pelo colaborador Mauro Cid – eles soubessem que nenhum indício fora encontrado.

Em novembro de 2022 desenha-se o plano “Punhal Verde e Amarelo”, que previa o homicídio de Lula, seu vice, Geraldo Alckmin, e de Alexandre de Moraes (cuja morte teria sido iminente). Também se descobriu a Operação Luneta, fortemente articulada em torno de um documento formalmente travestido de Estado de Defesa, mas que impunha, à margem do desenho legal, intervenção no TSE, com a remoção de Ministros. Referida minuta teria sido apresentada aos Comandantes das Forças Armadas em 6.12.2022, com rechaço do Exército e pronta adesão da Marinha.

Paralelamente, o Partido Liberal, de Bolsonaro, ingressou com ação no TSE para anular urnas eletrônicas fabricadas antes de 2020; nelas, Lula teria obtido vantagem sobre o adversário. Curiosamente, a anulação incidiria apenas no segundo turno.

Por fim, em 8.1.2023, pessoas que majoritariamente já estavam acampadas defronte a prédios militares em Brasília, marcham para a Praça dos Três Poderes, não são impedidos pelas forças policiais e depredam as sedes. A hipótese acusatória é que a massa, ao criar situação de caos, detonaria a imposição de GLO (Operação de Garantia da Lei e da Ordem), a cargo das Forças Armadas.

Seguindo o rito processual penal, ao recebimento da denúncia segue o início da fase de produção oral de prova: testemunhas de acusação, depois as de defesa, o interrogatório do colaborador (Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro) e dos demais réus. Salvo a necessidade de produzir provas sobre circunstâncias ou fatos que se tornaram conhecidos durante a fase de prova oral, abre-se prazo para a PGR oferecer memoriais, e, em seguida, às defesas. O julgamento é público e colegiado. Por tramitar diretamente no STF, há pouca possibilidade de recursos; embargos infringentes – a serem julgados pelo Pleno – dependeria de dois votos absolutórios, entre o cinco da Turma. Não caberiam se a divergência for sobre preliminares (a exemplo de nulidades) ou penas.

Se condenado, a pena de Bolsonaro pode variar entre 12 anos e 8 meses a 36 anos e 8 meses; em qualquer caso, o regime inicial de cumprimento de pena seria o fechado. A previsão é o que o julgamento ocorra ainda em 2025.


*David Tangerino é advogado e professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

Este artigo foi escrito para a edição 164 do boletim do WBO, de 2 de maio de 2025. Para ser assinante e receber gratuitamente, toda semana, notícias e análises como esta, basta inserir seu e-mail no campo indicado.


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