O Compromisso do Brasil com os Direitos Humanos e o Sistema Interamericano
Por Fabio de Sa e Silva*
Vivemos um momento especialmente desafiador para os direitos humanos nas Américas. Para além das violações persistentes — que atingem povos indígenas, comunidades negras, mulheres, pessoas LGBTQIA+, migrantes, defensores de direitos humanos e tantos outros grupos vulnerabilizados —, o continente enfrenta uma crise mais ampla, marcada pela fragilização do multilateralismo e pela dificuldade em alcançar consensos: dentro dos próprios Estados, entre eles e, inclusive, no interior da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
É nesse contexto que o Estado brasileiro apresentou minha candidatura à CIDH para o mandato 2026–2029. Trata-se de uma aposta técnica, que reflete o compromisso do Brasil com os valores democráticos e com o fortalecimento do Sistema Interamericano — justamente em um momento em que sua relevância, legitimidade e capacidade de atuação precisam ser reafirmadas.
A CIDH é uma instância essencial na proteção e promoção dos direitos humanos em nosso continente. Desde sua criação, em 1959, no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), a Comissão tem contribuído para o reconhecimento e a reparação de violações, a consolidação de padrões normativos e o fortalecimento institucional dos Estados, por meio de suas decisões, relatorias temáticas e visitas in loco.
Trago a esta candidatura uma formação multidisciplinar, vivência multicultural, conhecimento dos sistemas jurídicos das Américas e um engajamento firme com a defesa dos direitos humanos, exercido em diferentes papéis — na gestão pública, em consultorias, na pesquisa e no assessoramento em políticas públicas.
Sou formado em Direito, Ciências Sociais e Políticas Públicas. Atuei no Ministério da Justiça, onde coordenei iniciativas voltadas à promoção da educação em prisões, à garantia do direito ao voto de presos provisórios e ao tratamento digno de mulheres encarceradas. Também atuei como consultor, apoiando instituições como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a UNESCO, o International Bar Association’s Human Rights Institute (IBAHRI) e a própria CIDH, em projetos voltados à reforma institucional, ao fortalecimento da justiça e à promoção de direitos.
Atualmente, sou professor de Estudos Internacionais na Universidade de Oklahoma, nos Estados Unidos, e pesquisador associado ao Centro sobre a Profissão Jurídica da Faculdade de Direito de Harvard. Sou também servidor de carreira do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), onde desenvolvi estudos e prestei assessoramento a tomadores de decisão em temas como política penitenciária, segurança cidadã, acesso à justiça e governança democrática.
Essa trajetória me permite compreender os desafios da proteção dos direitos humanos na região de forma integrada e sensível às realidades nacionais. Mais do que isso, oferece a base para um diálogo qualificado com os diversos atores que compõem o ecossistema interamericano: Estados, organizações da sociedade civil, comunidades afetadas e organismos multilaterais.
Minha plataforma para a Comissão estrutura-se em três objetivos estratégicos. O primeiro é proteger o acervo e o legado normativo do Sistema Interamericano — uma conquista histórica das Américas que precisa ser resguardada frente a retrocessos. O segundo é ampliar a legitimidade da Comissão na região, mediante diálogo contínuo com os Estados, a sociedade civil e, sobretudo, com as pessoas que vivenciam e sofrem violações. Por fim, quero contribuir para que a CIDH seja um órgão mais eficiente e transparente, capaz de oferecer respostas céleres, fundamentadas e acessíveis aos desafios que lhe são apresentados.
Os próximos anos exigirão uma Comissão tecnicamente sólida, mas também aberta à escuta, disposta ao diálogo e dotada de sensibilidade institucional. Isso não significa relativizar princípios, mas sim fortalecer o compromisso com a dignidade humana por meio do argumento, da escuta e da construção de pontes. A Comissão deve ser firme em seus princípios, mas também responsável em sua atuação, para seguir sendo uma referência legítima para os povos das Américas.
O apoio do Brasil a esta candidatura expressa nosso compromisso com o multilateralismo, o direito internacional e o fortalecimento das instituições democráticas. Após um período de afastamento e tensionamento em relação ao Sistema Interamericano, o país retoma sua trajetória histórica de valorização dos espaços regionais e globais voltados à cooperação, ao desenvolvimento e à justiça.
Mais do que um gesto diplomático, esta candidatura é uma afirmação de crenças fundamentais que informam nossa política externa e nossa participação na governança global: de que os direitos humanos são centrais para qualquer projeto democrático de sociedade; de que sua garantia deve ser coletiva, baseada em pactos firmes entre Estados e povos; e de que é possível avançar, mesmo em tempos difíceis, desde que haja disposição para construir consensos e renovar compromissos.
Se eleito com a confiança dos Estados-membros da OEA, atuarei com independência, transparência e dedicação. Colocarei minha formação e minha experiência a serviço da Comissão e de sua missão histórica de proteger direitos, afirmar a democracia e promover a dignidade humana em toda a região.
*Fabio de Sa e Silva é professor e pesquisador, candidato do Brasil à CIDH no mandato 2026–2029.
Este artigo foi escrito para a edição 165 do boletim do WBO, de 5 de maio de 2025. Para ser assinante e receber gratuitamente, toda semana, notícias e análises como esta, basta inserir seu e-mail no campo indicado.