Relação EUA-Brasil: um assunto complicado

James N. Green é professor de História e Cultura Brasileira na Brown University e presidente do Conselho Diretivo do WBO (Washington Brazil Office). Este artigo foi escrito por ele para a edição 114 do boletim semanal do WBO, publicada em 26 de abril de 2024. Para assinar o boletim e receber gratuitamente, insira seu email no campo abaixo.


O simpósio “Fortalecendo Laços: Uma Reflexão sobre 200 Anos de Relações EUA-Brasil”, co-organizado pelo WBO (Washington Brazil Office) e pela Latin American and Caribbean Studies Initiative da GWU (George Washington University) e realizado em 22 de abril na GWU Elliott School of International Affairs, ofereceu uma oportunidade única para acadêmicos-ativistas, especialistas no Brasil, diplomatas dos EUA e do Brasil e o público em geral discutir as interações entre os dois países ao longo dos últimos dois séculos.

Embora o tema subjacente do evento tenha sido a comemoração do reconhecimento de um Brasil independente pelo governo do presidente James Monroe em 1824, os palestrantes se concentraram principalmente nos últimos 60 anos das relações EUA-Brasil.

Neste breve ensaio, compartilharei alguns dos principais temas de minha apresentação.

Simpósio “Fortalecendo Laços: Uma Reflexão sobre 200 Anos de Relações EUA-Brasil”, co-organizado pelo Washington Brazil Office (WBO) e pela Latin American and Caribbean Studies Initiative da George Washington University (GWU) em 22 de abril de 2024

Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que as relações entre os dois países, desde o reconhecimento formal da independência do Brasil, têm sido positivas e íntimas, mas também repletas de tensões, desilusões e estranhamentos, com períodos de convergências e de alienação mútua.

Um momento de cooperação importante foi o esforço conjunto para combater o fascismo na Segunda Guerra Mundial. Essa aliança garantiu que minerais estratégicos e outros recursos naturais estivessem disponíveis para derrotar a Alemanha, a Itália e o Japão. Os Estados Unidos estabeleceram bases navais e aéreas ao longo da costa do Brasil para abastecer a frente de guerra do Norte da África e bloquear uma teórica invasão do Eixo nas Américas. Além disso, o Brasil forneceu 25 mil soldados para lutar na vitoriosa campanha italiana.

A colaboração entre os militares dos dois países fortaleceu a influência do governo dos EUA sobre as Forças Armadas brasileiras. Ironicamente – e tragicamente, argumentava eu – Vernon Walters, que foi Oficial de Ligação de Combate entre os EUA e a divisão de infantaria brasileira na Itália durante a guerra, serviu como adido militar designado para a Embaixada dos EUA no Rio de Janeiro em 1962.

Depois de chegar ao Brasil, Walters desempenhou um papel crucial, ajudando a coordenar e a unir as forças conspiratórias que derrubaram o governo Goulart em 1964. O apoio dos EUA ao golpe teve como premissa uma campanha liderada pelos militares e pela direita para erradicar a corrupção, o comunismo e a imoralidade, no âmbito da Guerra Fria; momento esse que marca um ponto baixo nas relações entre os dois países.

Àquela altura, muitos formuladores da política dos EUA não conseguiram compreender o poder legítimo dos sentimentos nacionalistas, bem como a importância da mobilização e da integração das classes trabalhadoras urbanas com setores-chave da economia, à medida que o Brasil se industrializava rapidamente.

Por outro lado, as atividades da administração Biden e dos principais membros do Congresso na defesa do processo eleitoral brasileiro em 2022 enviaram uma mensagem clara e consistente de que, ao contrário de 1964, o governo dos EUA não apoiaria um golpe para anular as recentes eleições presidenciais. Isso é algo que poderia ser visto como um ponto alto na relação entre as duas nações.

Em 2021, o Washington Brazil Office decidiu se concentrar em informar o público dos EUA sobre as eleições presidenciais brasileiras e as crescentes indicações de que o então presidente do Brasil, assim como seu aliado dos EUA, Donald Trump, estava planejando desafiar o resultado eleitoral, questionando o sistema de votação eletrônica e apelando, juntamente com seus apoiantes, para que as Forças Armadas intervenham caso Jair Bolsonaro perdesse.

Entre as muitas atividades realizadas pela WBO, estava a organização de uma delegação de representantes de 20 movimentos sociais e organizações da sociedade civil que viajaram a Washington, D.C. para informar membros do Congresso e representantes do Departamento de Estado, da Casa Branca e da Organização dos Estados Unidos sobre os perigos à democracia representados pelo então presidente brasileiro e seus apoiadores.

As mensagens da administração Biden e o apoio do Congresso americano a essa iniciativa, incluindo uma resolução de consentimento unânime aprovada pelo Senado, foram gestos inequívocos de apoio à democracia brasileira.

Como sabemos agora, o 8 de janeiro do Brasil – ocorrido dois anos depois do 6 de janeiro de 2023 nos EUA –, com a invasão e o vandalismo por parte de militantes de extrema direita contra as sedes dos três Poderes em Brasília, não conseguiu concretizar o plano de derrubar o atual governo devido em grande parte às divisões internas nas Forças Armadas. Alguns líderes militares simplesmente não estavam dispostos a correr o risco de apoiar um golpe de Estado sem o apoio dos EUA.

Nesse sentido, a iniciativa da WBO e de organizações afiliadas de solicitar que o governo Biden divulgue os principais documentos confidenciais do governo dos EUA sobre o golpe de 1964 – como um gesto de boa vontade para com o Brasil e como um sinal de disposição americana de assumir o passado, com abertura e transparência – é algo que poderia ser uma forma adicional de Washington mostrar seu compromisso com a construção de uma relação com um Brasil democrático, com base no respeito mútuo entre os dois maiores e mais importantes países do Hemisfério Ocidental.

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As relações entre Brasil e EUA, de alianças pragmáticas a alinhamentos programáticos

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