Se não agora, quando? Direitos Humanos e clima

Por Denise Dourado Dora*


A COP 30 inaugura um momento importante para fortalecer a perspectiva de direitos humanos nas soluções climáticas. Completando 10 anos do Acordo de Paris – tratado internacional que estabelece compromissos dos estados com a proteção do meio ambiente e responsabilidades com as mudanças climáticas – a Conferência, que acontece em Belém, tem um enorme desafio pela frente.

A ciência já demonstrou que o aumento da temperatura global está interferindo em todos os ecossistemas. As emergências climáticas – inundações, secas, furacões – têm demonstrado o seu impacto sobre as pessoas, em especial sobre grupos mais vulnerabilizados, como mulheres e meninas, que são mais atingidas com as emergências e desastres climáticos, como os estudos demonstram; os povos indígenas e comunidades tradicionais, que sofrem com mudanças de seu habitat e modos de vida; e as populações periféricas, onde o atravessamento do racismo em todas as manifestações da mudança do clima tem ficado cada dia mais visível.

Pensar as pessoas no debate climático, em conexão com as outras espécies ameaçadas, traz para a agenda de clima questões éticas centrais: podemos enfrentar as mudanças climáticas que ameaçam o planeta e todas as suas manifestações vivas sem pensar sobre os modos de produção de energia, com extração de petróleo e minerais? Podemos enfrentar os impactos das mudanças climáticas sem considerar as desigualdades do mundo? Podemos pensar em conter o aquecimento global sem lidar com os modos de produção de alimentos, lavouras extensivas e desmatamento? Podemos imaginar um novo mundo já que este está prestes a colapsar?

A ação consistente das organizações da sociedade civil e dos movimentos sociais na agenda de clima mostra que a única saída para sobrevivermos é repensar nossas formas de vida e consumo intenso, parar de extrair petróleo e carvão, deixar de jogar para atmosfera gases de efeito estufa responsáveis pelo aquecimento do planeta e incorporar os mecanismos de proteção de direitos humanos nas soluções climáticas. Entretanto, apenas agora, com a presidência brasileira da COP 30, foi estabelecido um mandato de Enviadas Especiais de Direitos Humanos, Equidade Racial, Mulheres e Povos Indígenas, e foram criados dias temáticos de justiça e direitos humanos durante a COP 30, o que amplia oportunidades de debates, alianças e propostas concretas.

Contamos ainda com duas novidades: os pareceres consultivos recentes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e da Corte Internacional de Justiça (CIJ) de 2025. Esses pareceres, resultado de consultas feitas sobre as responsabilidades dos Estados de proteger os direitos humanos no contexto dos impactos ambientais e das mudanças climáticas, reforçam o conceito de justiça climática nas agendas nacionais e internacionais. Também animam o debate sobre a incorporação de todos os tratados de direitos humanos na perspectiva da proteção ambiental nas políticas públicas, planos de adaptação e ações de mitigação, além de serem um incentivo ao uso dos mecanismos de proteção de direitos humanos no sistema ONU e sistemas regionais em situações de violações de direitos causados pela ação ou omissão dos Estados nas políticas de clima. A utilização desses mecanismos, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ou o comitê de direitos das crianças, ou de direitos das mulheres, deve ser também incorporada à agenda de clima, pensando nos efeitos que a inação dos governos tem produzido na vida das pessoas.

A Relatora Especial da ONU para clima e direitos humanos, Elisa Morgera, tem afirmado as obrigações dos Estados em garantir direitos e agir para prevenir o colapso do planeta e da humanidade, e estará na COP 30 participando deste debate sobre a conexão entre a ciência, que demonstra de forma inequívoca a alteração da temperatura do planeta, e suas causas; a política, com suas lideranças tratando com maior ou menor seriedade os efeitos deste aumento de temperatura; e o campo dos direitos, que passa a considerar o impacto sobre as pessoas e sua perspectiva de sobrevivência.

Será também lançada na COP 30 uma chamada a um Compromisso Global de Clima e Direitos Humanos – Sumaúma Pledge 2025 – onde Estados, empresas, universidades e sociedade civil poderão se comprometer com metas concretas para proteção de direitos humanos na perspectiva de mudanças climáticas. Espera-se também que os acordos da COP 30 contemplem mecanismos de transição energética justa, com princípios de respeito a direitos fundamentais e de não-discriminação, além de um aumento expressivo de ações governamentais concretas de adaptação aos novos impactos das mudanças do clima. 

Tratar de clima não é meteorologia: é desafio ético de repensar o mundo, e reinventar o modo como nos relacionamos entre nós, com as outras espécies e com a natureza. 


*Denise Dourado Dora é enviada especial da Presidência da COP30 para Direitos Humanos e Transição Justa


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