Por que a direita brasileira quer enfraquecer a Polícia Federal?
Por Lindbergh Farias*
Os pareceres do secretário de Segurança licenciado de São Paulo, deputado bolsonarista Guilherme Derrite (PP), ao Projeto de Lei 5.582/2025, conhecido como PL Antifacção, configuram um verdadeiro ataque à ordem constitucional no Brasil e um prêmio ao crime organizado.
A sexta versão do substitutivo “Frankenstein” do PL Antifacção, aprovada em 18/11 pela Câmara dos Deputados, aprofunda a desorganização normativa e mantém vícios estruturais graves, especialmente ao retirar recursos da Polícia Federal, enfraquecendo o órgão de coordenação nacional e contrariando o espírito da Proposta de Emenda Constitucional da Segurança Pública enviada pelo Governo Lula ao Congresso Nacional.
Em vez de fortalecer a Polícia Federal, o texto promoveu uma fragmentação orçamentária em relação aos fundos que compromete a eficiência no enfrentamento às organizações criminosas de atuação interestadual. Uma afronta ao PL Antifacção enviado pelo Governo Lula ao Congresso.
O substitutivo também desmontou a política de descapitalização das facções ao eliminar as medidas cautelares especiais previstas no projeto original, substituindo-as por instrumentos já existentes e criando a ficção de uma “ação civil autônoma”, que só acrescenta morosidade, insegurança jurídica e pulverização dos procedimentos de recuperação de bens.
O projeto aprovado trouxe armadilhas graves: retirou da União o controle sobre a alienação e destruição de bens apreendidos, golpeando o coração da política de descapitalização das facções. Em vez de fortalecer o Estado, descapitalizou a Polícia Federal e dificultou o perdimento de bens do crime organizado. A criação de uma ação civil autônoma para o perdimento de bens é uma farsa jurídica que atrasará o confisco e reduzirá os recursos da Polícia Federal no combate ao crime.
O deputado bolsonarista atacou a espinha dorsal do PL Antifacção – justamente a capacidade de bloquear rapidamente recursos ilícitos e atingir o coração financeiro dos grupos criminosos.
Além disso, o deputado de extrema-direita inventou categorias sem fundamento jurídico, como a tal “organização ultraviolenta”, numa tentativa de apagar a terminologia rigorosa de “facção criminosa” introduzida no texto original do governo federal.
Esse tipo de improvisação conceitual enfraquece a política criminal, confunde operadores do direito e mascara o objetivo real: desfigurar a proposta técnica e consistente do Executivo, substituindo-a por um amontoado de conceitos vazios e dispositivos contraditórios. Na prática, essa confusão cria um caos jurídico que só favorecerá os advogados dos bandos criminosos.
Por que Derrite não propôs mudanças à Lei das Organizações Criminosas, ao Código Penal e ao Código de Processo Penal, criando uma quarta norma legal, que denominou de “Marco Legal de Combate ao Crime Organizado”?
Há muita coisa no ar. Os governadores da extrema-direita voltaram a agir contra a lógica da PEC da Segurança, que defende integração e fortalecimento das forças policiais. Defenderam a votação do PL Antifacção restabelecendo a lógica da blindagem, ferindo a autonomia da Polícia Federal e impedindo que ela atue de forma plena contra o crime organizado.
Para entender o cenário, é bom lembrar que a ofensiva não é casual: a Operação Carbono Oculto, da Polícia Federal, que atingiu redes de lavagem e adulteração de combustíveis ligadas a grandes grupos econômicos e políticos, acendeu o sinal de alerta entre governadores e empresários investigados. Se estivesse em vigor a proposta de Derrite, mais de R$ 1 bilhão do crime organizado não teriam sido confiscados, tampouco o combustível de quatro navios retidos pela Receita Federal no Rio de Janeiro.
O exemplo mais emblemático é o do governador Cláudio Castro, do Rio de Janeiro, que, temeroso com os desdobramentos da Operação Carbono Oculto, revelou possíveis conexões entre o seu governo, a empresa Refit e esquemas de adulteração de combustíveis associados a facções criminosas.
Há também inquérito aberto pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que busca apurar as relações entre o crime organizado e agentes públicos, o que explica o desconforto e a pressa em desidratar o PL Antifacção na Câmara, como ocorreu de fato. A atuação firme e autônoma da Polícia Federal incomoda quem teme que a verdade venha à tona.
A tentativa de subordinar a Polícia Federal aos governadores, prática que ocorria há 100 anos, foi derrotada pela mobilização popular. Mas o novo movimento mostra que há setores poderosos tentando retaliar a atuação firme da Polícia Federal, especialmente em investigações que tocam nos elos entre poder político, facções e milícias.
O Governo Federal não aceitou negociar nenhuma medida que descapitalize e enfraqueça a atuação da Polícia Federal – que é o principal instrumento de combate às organizações criminosas e à corrupção –, nem que dificulte o perdimento de bens do crime organizado. Mas a Câmara aprovou o retrocesso. Não há segurança pública possível sem uma Polícia Federal forte, autônoma e livre de amarras políticas.
Os números recentes mostram a eficácia da estratégia do Governo Lula. Desde 2023, as ações integradas de segurança, com a Polícia Federal na vanguarda, retiraram R$ 19,8 bilhões das mãos de criminosos – o maior prejuízo financeiro já imposto ao crime no país. O número de operações da Polícia Federal cresceu 80% desde 2022. É justamente esse sucesso que incomoda.
O PL Antifacção com o texto original (mais a PEC da Segurança Pública), buscou sustentar e ampliar esses avanços, asfixiando financeiramente as facções e modernizando a integração das forças de segurança. O substitutivo de Derrite aprovado pela Câmara, no entanto, vai na direção oposta. É dever de todos rechaçar veementemente este retrocesso para restabelecer no Senado Federal o texto original do governo Lula.
*Lindbergh Farias é deputado federal (RJ) e líder da bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados