Alexandre de Moraes e a democracia abalada no Brasil

Por Ana Laura Barbosa*


Nos últimos anos, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, assumiu uma posição de centralidade no debate público. Sua atuação divide opiniões: de um lado estão aqueles que o proclamam como bastião da defesa da democracia no Brasil. De outro, aqueles que o condenam como algoz da liberdade de expressão.

A atuação de Moraes nos inquéritos e ações que relata tiveram como efeito uma reação ao componente discursivo do método de Bolsonaro para atacar a democracia. Após seis anos, pode-se apontar os méritos e fragilidades de seus esforços, mas ainda não é possível estimar com precisão que eles foram bem-sucedidos.

No âmbito discursivo, Bolsonaro questionava a credibilidade do judiciário, legislativo e do sistema eleitoral. E não se tratava apenas de Bolsonaro: havia uma verdadeira rede coordenada para a propagação de desinformação e de discursos antidemocráticos nas redes sociais, impulsionando ânimos antidemocráticos.

O combate à estratégia discursiva de Bolsonaro e de seus correligionários acabou quase que inteiramente centralizado na figura de Alexandre de Moraes. Como relator de controversos inquéritos, parte deles instaurados de ofício, Moraes foi responsável por uma série de decisões que determinaram a remoção de postagens, desmonetização de canais, e bloqueios de perfis de redes sociais que realizavam ofensas ao tribunal ou descredibilizavam o sistema eleitoral e as instituições democráticas. Determinou prisões ou outras medidas cautelares a indivíduos suspeitos de integrar redes de propagação de desinformação ou discursos de ataques às instituições. Suas decisões atingiram desde perfis pouco conhecidos até personalidades como Daniel Silveira, Roberto Jefferson, Sara Winter, e Allan dos Santos.

Esta atuação combativa de Moraes nos inquéritos pode ter sido importante para impor limites à rede de propagação de discursos antidemocráticos e, com isso, proteger a democracia. Mas aferir com certeza o impacto desta atuação na defesa da democracia demanda tempo, distanciamento dos fatos políticos ainda muito recentes, e um conhecimento mais profundo sobre as engrenagens por trás do planejamento de golpe que, ao que tudo indica, esteve em curso durante o governo Bolsonaro.

Os discursos da extrema direita populista e autoritária se propagam com técnicas muito particulares, às quais ainda não há clareza sobre qual seria a melhor reação. Por um lado, a restrição desses discursos os retira da esfera pública e os impede de manipular a tomada de decisão de eleitores. A desinformação, a excessiva simplificação e a distorção de informações podem contaminar a esfera pública e impedir que a tomada de decisão dos eleitores sejam seja realizada de forma plenamente informada. Remover este tipo de conteúdo, com isso, pode ter impactos possivelmente positivos à democracia. Por outro lado, essa intentada pode ser custosa, pois produz uma espécie de efeito rebote, intensificando discursos populistas e autoritários, que instrumentalizam um ideal distorcido de liberdade de expressão e passam a se valer de uma retórica de perseguição.

O alto custo do controle desses discursos não ocorre apenas no campo discursivo. A maior parte dessas decisões se deu às custas de fragilizações de garantias processuais e de valores relevantes ao Estado de Direito, pois ocorreram em inquéritos instaurados de ofício e sigilosos, com fundamentos que não articulam suficientemente o sentido e alcance da liberdade de expressão ou as fronteiras entre ofender os indivíduos que compõem um órgão e inflamar a população a se insurgir contra o próprio órgão. É verdade que Bolsonaro foi capaz de desenvolver burlas às amarras institucionais que seriam responsáveis por controlá-lo. Diante deste desequilíbrio no sistema, o Supremo assumiu esta tarefa, e há quem afirme que excessos, neste contexto, seriam justificáveis.  Ainda assim, os custos desta atuação não podem ser desconsiderados.

A democracia, por ora, perseverou no Brasil. Bolsonaro foi derrotado nas eleições e declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral. Individualizar a parcela de mérito de Moraes neste resultado ainda é impossível. No entanto, o que se pode identificar é que esta estratégia também implicou fragilidades e custos ao tribunal. A democracia perseverou, mas foi severamente abalada. Há uma disputa discursiva em curso a respeito do significado da democracia e das liberdades que dela decorrem. E os esforços de limitação de discursos em redes sociais não foram capazes de dissipar a extrema direita autoritária, que continua encontrando caminhos para propagar discursos autoritários com muita força, no Brasil e no mundo.


*Ana Laura Barbosa é doutora em Direito do Estado pela Faculdade de Direito Universidade de São Paulo, com graduação e mestrado pela mesma instituição. Professora de Direito Constitucional na ESPM.

Este artigo foi escrito para a edição 169 do boletim do WBO, de 4 de junho de 2025. Para ser assinante e receber gratuitamente, toda semana, notícias e análises como esta, basta inserir seu e-mail no campo indicado.


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