Brasil e Mondiacult 2025. Desafios do multilateralismo e da cooperação cultural
Por Alexandre Santini*
A Mondiacult é a conferência mundial sobre políticas culturais e desenvolvimento sustentável, promovida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e historicamente reconhecida como o principal fórum internacional para debate e formulação de políticas culturais.
Em sua terceira edição, a Mondiacult 2025 será realizada em Barcelona, na Espanha, entre os dias 29 de setembro e 1º de outubro. Entre os temas prioritários desta edição, destacam-se questões relacionadas a políticas públicas de cultura, democracia e multilateralismo, desenvolvimento sustentável, diversidade biocultural, inteligência artificial e emergência climática.
A agenda da Mondiacult 2025 revela-se, portanto, tão necessária quanto ambiciosa, se levarmos em conta o cenário global bastante desafiador, marcado por crise das democracias em diversos países, pelos avanços dos extremismos e pela fragilização dos organismos multilaterais, como por exemplo a já anunciada retirada dos Estados Unidos da América da própria Unesco.
A importância da Mondiacult tem raízes históricas: sua primeira edição, em 1982, no México, é considerada fundadora de um certo tipo de relação entre Estado e cultura, em uma perspectiva de afirmação da cultura como um direito. Da declaração final desta conferência, emergem conceitos que irão pautar os debates relacionados à institucionalidade das políticas culturais ao longo das décadas seguintes, e até os dias atuais: a amplitude da noção de cultura, a convocação a uma cooperação cultural internacional fundada no respeito à identidade cultural, a defesa e proteção da diversidade a partir do respeito à dignidade e valor de cada cultura, o reconhecimento das soberanias nacionais e dos princípios de não-intervenção, evitando qualquer forma de subordinação, intervenção ou substituição de uma cultura por outra. A Mondiacult de 1982 ocorreu em meio a processos de distensão dos regimes autoritários que dominaram o cenário político de países da América Latina nos anos 60 e 70, como é o caso do Brasil.
O Brasil chega à Mondiacult de 2025 em pleno processo de reconstrução do MinC e das políticas culturais no Brasil e, sob a liderança da ministra da Cultura, Margareth Menezes, e no governo do presidente Lula, retomando seu papel protagonista e incentivador dos organismos multilaterais, de iniciativas de cooperação e da solidariedade entre os povos, no combate à fome, na defesa da paz e no enfrentamento da crise climática. Em uma conjuntura mundial turbulenta, a diplomacia cultural brasileira compreende que as políticas culturais, em uma perspectiva transversal e associadas ao desenvolvimento sustentável, são elemento estratégico que pode determinar o futuro dos países, particularmente os do sul global, em sua inserção soberana no mundo.
A ampliação da representação das instituições culturais, incluindo a sociedade civil nos processos de avaliação e monitoramento da Agenda 2030 e dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), é fundamental para que seja possível mensurar, com dados, indicadores e evidências, mas também com escuta e participação social, a influência efetiva das políticas culturais como políticas de Estado. Uma sociedade civil mobilizada, empoderada e participativa tem grande capacidade de agenciamento, podendo ser aliada decisiva para posicionar a dimensão cultural do desenvolvimento na agenda global, seja através de um ODS específico, seja incorporando e dando mais visibilidade e reconhecimento à dimensão cultural nos demais Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
A circunstância emergencial gerada pela pandemia de Covid-19, em que os organismos de gestão da cultura em diversos países tiveram suas dotações orçamentárias aumentadas para mitigar os efeitos sociais e econômicos da paralisação de atividades artísticas e culturais, deve constituir um ponto de partida para que os orçamentos governamentais dedicados à cultura estejam em consonância com as necessidades do setor cultural, que contribui em patamares consideráveis para o incremento do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados nacionais. Neste sentido, a experiência brasileira da Política Nacional Aldir Blanc pode e deve ser tomada como exemplo, inspiração e referência.
Finalmente, trata-se de uma oportunidade de redesenhar e fortalecer a cooperação cultural internacional, em uma perspectiva intersetorial que compreenda, acolha e promova a ampla participação da sociedade civil. Como sinal de vitalidade da Mondiacult 2025, destacamos a ampla mobilização que vem se construindo por parte da cidadania e da sociedade civil, com a promoção de diversos fóruns paralelos e correlatos à conferência oficial. Eventos e processos como Ágora Cívica, Cultura e Cidadania, Laboratório Nômade e Culturópolis, entre outros, criam em torno da Mondiacult uma espécie de “Fórum Social Mundial da Cultura”. A escuta atenta e ativa destes interlocutores pelos poderes públicos e organismos internacionais poderá oferecer importantes contribuições para o enfrentamento da crise global a partir da perspectiva da cultura, com criatividade e imaginação política.
*Alexandre Santini é presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB/MinC), gestor e produtor cultural, escritor, mestre em Cultura e Territorialidades pela UFF e doutorando em História, Política e Bens Culturais pelo CPDOC/FGV. Foi secretário das Culturas de Niterói, Diretor de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura e Diretor do Teatro Popular Oscar Niemeyer. Foi também professor convidado em cursos de pós-graduação em gestão e políticas culturais na FLACSO (Argentina), Universidad Andina Simón Bolívar (Equador) e Universidad de Chile. É autor do livro “Cultura Viva Comunitária: Políticas Culturais no Brasil e na América Latina”.